A autonomia como caminho

A autonomia como caminho

Por: Marcia Belmiro | Educação | 29 de agosto de 2019

“Ajude-as a fazer sozinhas.”
Maria Montessori

A autonomia é um conceito controverso em famílias e escolas. Existe o temor de que, ao dar liberdade à criança, ela faça escolhas ruins ou, pior, que passe a agir como um pequeno tirano.

É preciso esclarecer que a criança não é um ser independente. Ela depende dos adultos em diversas instâncias: fisicamente, pois ainda não possui maturidade psicomotora total; emocionalmente, já que necessita de afeto, reconhecimento e limites; financeiramente; legalmente. No entanto, a autonomia pode ser construída em conjunto, pela díade criança/cuidador, com o uso de critérios claros que só o adulto é capaz de definir.

É importante frisar que os critérios são da responsabilidade dos pais/avós/professores, e as ações de autorresponsabilidade dizem respeito às atitudes da própria criança. Por exemplo: os critérios de respeitar os outros e ao mesmo tempo respeitar a si próprio ou de estabelecer diálogos interativos estão na compreensão dos pais, que podem auxiliar seus filhos a tomar as atitudes apropriadas para lidar com um colega que morde, bate ou pratica bullying.

Os pais como “alter neocórtex” dos filhos

“O bebê já nasce com o sistema límbico — responsável pelas emoções — pronto. Já o neocórtex — por meio do qual é possível desenvolver análise crítica e planejamento —só atinge sua maturidade na idade adulta. Assim, digo que os pais funcionam durante uma parte da vida como o ‘alter neocórtex’, um neocórtex externo, do filho”, explica Marcia Belmiro.

Por meio de estudos, já se sabe que não é a autonomia, mas a superproteção que gera a figura do “reizinho da casa”. A criança que sempre é privada de suas frustrações crê que os adultos devem resolver tudo por ela. Ao contrário, a criança que tem a oportunidade de passar pelas aflições com escuta e acolhimento desenvolve um sentimento natural de cooperação com os demais.

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), publicado em 1998 pelo Ministério da Educação, aborda a importância da autonomia da criança:

“Saber o que é estável e o que é circunstancial em sua pessoa, conhecer suas características e potencialidades e reconhecer seus limites é central para o desenvolvimento da identidade e para a conquista da autonomia. A capacidade das crianças de terem confiança em si próprias e o fato de sentirem-se aceitas, ouvidas, cuidadas e amadas oferecem segurança para a formação pessoal e social. A possibilidade de desde muito cedo efetuarem escolhas e assumirem pequenas responsabilidades favorece o desenvolvimento da autoestima, essencial para que as crianças se sintam confiantes e felizes.”

Quando ajudar atrapalha

O RCNEI vai ao encontro do que dizia Maria Montessori, médica e pedagoga italiana que no início do século XX fundou as bases da teoria montessoriana, cuja base é a autonomia da criança como caminho para sua felicidade e independência. Uma das frases mais famosas de Montessori é: “Qualquer ajuda desnecessária é um obstáculo para o desenvolvimento.”

Mas o que seria uma ajuda desnecessária? Desnecessário é tudo que a criança já tem prontidão psiconeuromotora para realizar. E como saber a hora de deixá-la fazer as atividades do dia a dia sozinha (comer, se vestir, tomar banho, escovar os dentes, amarrar o cadarço)? O pediatra pode informar sobre os parâmetros definidos pela medicina sobre o que é esperado em determinada idade, mas cada criança tem seu tempo e é preciso que os cuidadores fiquem atentos aos sinais que ela dá.

O mesmo conceito se aplica à autonomia emocional. Isso significa que os adultos podem deixar a criança resolver divergências com os irmãos, colegas e professores — a menos que isso represente algum risco para qualquer uma das partes, claro.

Caso a criança peça ajuda, o cuidador pode auxiliar fazendo boas perguntas como: “O que você precisa que seu amigo saiba?”; “Se você soubesse resolver essa questão, como seria?”; “O que só depende de você para mudar essa situação para melhor?”, sem, no entanto, cair na armadilha de dar soluções prontas, conselhos ou falar de sua própria experiência.

Fonte: “Referencial curricular nacional para a educação infantil – v. 2: Formação pessoal e social”. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume2.pdf

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